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Posso falar um pouquinho sobre gramática?

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Ainda esta semana eu volto para retomar os assuntos pendentes.  Cheguei a pensar que faria isso hoje, mas entre ver a final da Copa (só pra constar: eu não acertei NENHUM prognóstico, ou pelo menos nenhuma torcida. Sou o anti-polvo, rsrsrs) e dormir muito desde sexta-feira, simplesmente não deu. O resultado, inclusive, é que são mais de 11 da noite de domingo e eu ainda estou terminando de corrigir provas que deviam estar prontas há 3 semanas, e ainda vou elaborar a prova de amanhã de manhã. Tudo bem, o semestre já começou a desacelerar e só isso já me dá um alívio enorme. Amanhã acho até que vou ao cinema! :-)

O que me traz aqui com uma certa urgência é a necessidade/desejo de comentar umas coisas que sempre ficam entaladas na minha garganta quando eu corrijo provas e trabalhos de alunos. Há muito tempo. Ultimamente, quando eu leio jornais também, o caso é (cada vez) sério.

Eu não sei o que acontece com o ensino de Língua Portuguesa, que simplesmente não consegue, na maior parte dos casos, se refletir numa prática escrita e oral decente. Ou seja, as criaturas decoram (sim, porque eu desconfio que raros conseguem entender) objetos diretos e indiretos, nomes enormes de classificação sintática de orações, regras sobre verbos defectivos e irregulares, exceções a regras de acentuação, e isso acaba não tendo nenhuma relação prática com o que eles escrevem. E tem piorado.

Eu não sou nenhuma expert no assunto, não sou linguista, ainda não me adaptei inteiramente ao novo acordo ortográfico (e cometo birras propositais ocasionalmente). Vira e mexe, ao revisar um texto meu, encontro erros de toda sorte; tenho dúvidas e consulto dicionários e gramáticas com frequência (ó aí, eu odeio a queda do trema). Porém, peço licença aos professores de português (e peço ajuda também, caso eu diga alguma bobagem) para comentar alguns dos erros mais frequentes que encontro e divagar sobre algumas causas para isso.

Eu encontro principalmente erros de três ordens:

1) ERROS ORTOGRÁFICOS
Caramba (quase que eu falo um palavrão bem cabeludo, deu vontade)! Ninguém mais olha dicionário, não? Tem online, nem precisa ir até a estante abrir o livrão. Letras trocadas, letras comidas, letras sobrando, e não são erros de digitação. São erros mesmo, em provas feitas à mão. Sem falar que o vocabulário anda empobrecendo rapidamente. Nossa língua é belíssima (como é mesmo o verso sobre “a última flor do Lácio”?) e provê vocábulos para quase todas as ocasiões, com distinções sutis que permitem escolher o mais adequado a cada caso. Entretanto, o repertório mais corrente é fraquinho a vida toda, e tome repetições de termos, uso indiscriminado de “coisas” e outros termos genéricos, que prejudicam muitas vezes a própria compreensão correta do que se pretendia dizer, truncando a comunicação da mensagem. Termos que eu cresci ouvindo e utilizando na liguagem oral cotidiana, como corriqueiros, são considerados hoje como “falar difícil”.

Ainda nesta categoria, incluo os erros de acentuação. Isso quando há acentuação. É preguiça? Uma das coisas que eu mais faço em prova é ir colocando (ou tirando) acento, conforme esteja faltando ou sobrando. Eu não sei de cor aquelas regras todas (acentuar ditongos abertos em oxítonas e coisas do gênero, só lembro de certeza que se acentuam as proparoxítonas, com algumas raras e clássicas exceções), e agora, de novo, com esse maldito acordo ortográfico, vou errar muito, porque idéia e herói pra mim são inadmissíveis sem acento, bem como é inadmissível, para mim, deixar de existir acento na flexão do verbo parar (pára), que ajudava tanto a diferenciar da preposição “para”.  Mas enfim. O fato é que de tanto ler a gente acaba absorvendo. E as dúvidas, tá aí o dicionário para dirimí-las (hahaha, essa foi de propósito, não resisti).

Não posso deixar de falar da crase. Ninguém mais sabe usar, não? Nem em placa de trânsito, vamos combinar. Ou muito menos. O que a gente encontra de, sei lá, “Parati à 10 km”, não está no gibi. Cruzes. A irmã da Monix, uma vez, numa conversa, disse uma coisa engraçadíssima que é a pura verdade, e eu vivo repetindo desde então: a impressão que se tem é que a crase é usada como orégano na pizza. A gente acaba de escrever, polvilha umas tantas sobre o texto, onde cair, caiu. Não tem lógica, não tem padrão. Regrinhas básicas, minha gente: a crase, pra começar, não é um acento. Ela é um fenômeno de contração, da preposição “a” com o artigo feminino “a” (tá, eu sei que pode contrair também com os pronomes demonstrativos “aquele”, “aquela”, “aquilo” e seus plurais, mas não vamos complicar agora). Ou seja, se a palavra que você for usar puder ser substituída por uma masculina e o resultado ficar “ao”, então tem crase (antes da feminina), se não, não tem. Exemplo idiota: Vou AO salão de beleza. Troque “salão de beleza” por alguma coisa no feminino, que pressuponha o artigo “a”, tipo “a lavanderia”. Fica: Vou à lavanderia. Mas eu não posso ir à São Paulo, entende? São Paulo não é uma palavra feminina, portanto, não tem nenhum artigo aí escondido. Exatamente por isso, pelamordedeus, não ponham crase antes de verbo no infinitivo! Me dá calafrios ler na prova “não-sei-o-quê levou o rei à decidir que…”. Argh. Nunca mais, prometem? Eu só toquei na pontinha do iceberg, não vou me alongar , caso contrário fica um post gigante só sobre o uso da crase (já vai ficar um post gigante). Releiam as gramáticas de vocês. Ainda se adota Evanildo Bechara no colégio? E adianta alguma coisa?

Pontuação entra aqui, em erros ortográficos? Acho que não. Mas eu vou dizer uma coisinha só, por favor: NÃO EXISTE VÍRGULA ENTRE O SUJEITO E O VERBO! A menos que haja uma outra expressão ou oração intercalada. Olha só: “Fulano de tal, aquele salafrário, me deve um dinheirão”. A expressão “aquele salafrário”, que ficou entre o sujeito “Fulano de tal” e o verbo “me deve”, fez aparecerem as vírgulas (me poupe, eu sei que o pronome “me” não faz parte do verbo, sei até que ele é objeto indireto nessa frase, é só pra facilitar o entendimento pro povo que não deve ter nem idéia do que eu estou falando – idéia com acento emburrado, sim, mas não emburrecido). Se eu dissesse apenas “Fulano de tal me deve um dinheirão”, não haveria vírgula depois do Fulano de Tal.

Eu tenho uma teoria de que as pessoas colocam vírgula onde os repórteres fazem pausas na hora das reportagens. Alguém ensinou um dia que a vírgula é a pausa, a hora em que você pára para respirar (viu? imagina se eu não pusesse o acento no verbo pára? No mínimo, fica muito feio). Aí, a maioria dos repórteres hoje em dia, ao vivo, na TV, sei lá por quê, fala assim, roboticamente: “o delegado titular da 14a. DP… revelou que… o suspeito… já se encontra… sob vigilância”. Tudo picotadinho, já reparou?. E o povo dana de botar vírgula em todas essas pausas, na hora de escrever.

Sim, o Saramago pode (podia) escrever do jeito que ele bem entender, sem vírgula nem ponto nenhum, nem parágrafo, nem travessão para indicar diálogos, e ainda assim estará tudo certíssimo e maravilhoso. Nenhum de nós outros mortais tem esse direito.

Não, eu não vou falar sobre o uso dos por quês, juntos, separados, com ou sem acento. Mas muita gente boa erra demais nisso aí também. Tá, eu vou falar, mas bem rasinho. O critério não é se é pergunta (separado) ou resposta (junto). Isso é ridículo. Eles têm sentidos diferentes, expressam relações diferentes entre as orações que conectam. Não é pra decorar. Tem que entender o sentido da frase pra saber se é junto ou separado. Mas se você, aluno, se deparar com um enunciado de prova assim: “Explique porque tal coisa aconteceu”, me faz um favor? Corrija o professor que escreveu isso. Presta atenção: o que o cara quer perguntar é: “Explique POR QUE RAZÃO tal coisa aconteceu”. Dá até pra trocar por: “Explique POR QUAL MOTIVO tal coisa aconteceu”.  Ou seja, o que você tem aí é uma preposição e um pronome relativo, e não uma conjunção. Tá bom, esquece essa parte. Mas esse é um macetezinho que resolve quase sempre: se você puder enfiar a palavra “razão” ou “motivo” depois da expressão “por que”, sem prejuízo do entendimento da frase, então é pra escrever separado. O “porque” junto exprime a causa do que foi dito imediatamente antes. Assim: “Faltei à aula PORQUE estava doente”. Ou seja, estar doente é a causa de eu ter faltado à aula (ou AO jogo, tá vendo como a gente substitui feminino por masculino pra conferir se tem o artigo e aí colocar a crase?). Conclusão: se eu disser (eu não, mas eu já vi enunciado de prova assim): “Explique porque tal coisa aconteceu”, com o “porque” junto, eu estou assumindo que o acontecimento dessa coisa é a causa da minha explicação, é o que me faz ter que dar explicações. Ficou claro? Eu acho que não o suficiente, mas vamos adiante.

2) ERROS DE CONCORDÂNCIA OU REGÊNCIA VERBAL.
Saber se um verbo pede ou não pede uma preposição é muito difícil?Jura? Eu me sinto pernóstica e pré-histórica. Olha só: eu digo “a regra a que me refiro é essa”. Esse “a” em negrito é uma preposição que rege o verbo referir-se. Quem se refere, se refere A alguma coisa. Então eu não posso dizer “a regra que eu me refiro”, o verbo fica capenga. Quando meus filhos eram menores e traziam deveres para casa e eu tentava ajudar, eu sempre dizia a eles (e eles morriam de rir), que o verbo é O CARA de qualquer oração. Tudo você pergunta pro verbo, se apertar direitinho, ele entrega tudo. Olhem o verbo, sempre, criem outra frase com o mesmo verbo, de preferência bem simples e em ordem direta, e confiram se ele tem preposição ou não.

Nessa mesma seara, do uso das preposições (e de um pronome em particular), eu estou louca pra dar um ponto extra pro aluno que conseguir usar um “cujo” corretamente. Dou dois pontos se a frase estiver corretamente articulada usando “de cujo”, “para cujo”, “com cujo” e suas variantes no plural e/ou no feminino. Pausa para eu suspirar.

Ainda sobre concordâncias. De gênero e número. Queridinhos, prestem atenção ao que vocês escrevem, e a quais coisas vocês estão se referindo. Quando a criatura resolve escrever uma frase comprida e o sujeito fica muito longe do verbo, pronto, danou-se: o verbo perde qualquer relação com esse sujeito. Aí a gente vê sujeitos no plural com verbos no singular, sujeitos no feminino e os complementos, lá no final da frase, no masculino, uma beleza. Vejam isso: “As leis criadas pelo imperador X, no ano Y, determinava que…”. Quem é que determinava alguma coisa? Interroga o verbo que ele é frouxo e responde sempre: aS LeiS. Plural. Então, elas determinavaM. Eu encontro isso nos textos muito mais vezes do que seria tolerável.

3) O tipo de erro mais grave na minha opinião: ERROS DE LÓGICA OU DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDO.
Esse é sério porque compromete o entendimento do que se diz, ou seja, compromete a própria comunicação. Uma das partículas que nos ajudam a construir as frases para dizer o que a gente quer são as benditas conjunções. Eu estou me lixando (desculpem-me os professores de português) se você sabe se aquela conjunção é adversativa ou conclusiva, ou mesmo se você sabe identificar quais são as conjunções num trecho de texto qualquer, mas você tem que saber usá-las de forma a dizer o que você quer dizer, ou seja, tem que saber o sentido que elas dão às frases, de que maneira elas ligam as frases umas nas outras. Caso contrário, você acha que está dizendo uma coisa e está dizendo outra completamente diferente.

Eu cansei de ver, nos exercícios que meus filhos traziam para casa da escola, questões que pediam que eles identificassem as conjunções num determinado período, e apontassem o “valor semântico” dessa conjunção. Quem sou eu pra dizer se a maneira de elaborar esse tipo de questão é a mais pertinente ou eficaz, mas eu vejo, diariamente, que isso é uma coisa que os alunos simplesmente não aprendem. As falhas mais constantes são na hora de estabelecer relações de causa e efeito entre fenômenos ou situações diversas. O pessoal não se dá conta do que está dizendo. Eu queria lembrar uns exemplos recentes pra contar pra vocês, mas agora me fogem. Eu estou com sono, larguei o trabalho às 11 da noite pra vir aqui escrever isso, já é mais de 1 da manhã e eu ainda tenho que montar a prova de daqui a pouco.

Tem um monte de outras coisas… ah, lembrei só mais uma que não posso deixar de gritar. Sim, gritar: o verbo HAVER (e as expressões verbais que o utilizam) com o sentido de EXISTIR NÃO FLEXIONA NO PLURAL!!! Ponham isso na cabeça, por mais que possa parecer estranho. HOUVE uma série de acontecimentos, e não “HOUVERAM”. DEVERIA HAVER muitas pessoas lendo isso, e não “DEVERIAM”. Promete que esse você não erra mais? Por favor? Obrigada.

Se eu ficar aqui lembrando de todos os outros casos, eu vou reescrever a gramática, e eu não tenho competência pra isso, além do que excelentes gramáticas já estão escritas. O que eu quero defender aqui é que a gente não escreve corretamente só por obrigação chata. E não só jornalistas, escritores ou gente que se forma em Letras têm obrigação de escrever direito. A linguagem escrita é uma das nossas formas de comunicação mais usadas. Todos os profissionais precisam ou precisarão escrever alguma coisa algum dia: uma dissertação, um artigo, um contrato para um cliente, um memorial de um projeto, uma prova num concurso, um e-mail para um fornecedor, um bilhete de instruções para um funcionário. E não é uma questão apenas de “pegar mal” você cometer erros crassos (embora isso pese um bocado em algumas situações), mas de você transmitir a sua mensagem da melhor forma possível, de maneira a não criar dúvidas, não gerar mal-entendidos, não perder oportunidades por falta de saber se expressar corretamente.

Eu não sei por que (separado, viu?) os alunos escrevem cada vez pior. Não vou culpar internet nem msn, pelo menos não apenas. Acho que se lê muito pouco, e com pouca atenção, e isso é crônico. Acho também que os métodos de ensino contemporâneos estão defasadíssimos. Ainda usamos metodologias didáticas do início de século XX, para uma geração que faz conexões diferentes, domina recursos diferentes, tem ritmos e percepções de mundo diferentes. Não é só culpar o aluno. A escola também precisa se adaptar, se reinventar e ainda não deu conta disso. Precisa aprender a explorar e utilizar os potenciais das novas habilidades destes novos alunos. Como? Eu também não sei. Mas acho que buscar e construir respostas a essas questões é urgente. E escrever direito também. Ô gente, faz um esforço aí, vai?


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